Alfa e Ômega

Por Taysa Nunes*

Não costumo frequentar festas, mas hoje é um dia atípico. Após uma longa sexta-feira de reuniões burocráticas, algo me disse que eu precisava estar aqui nesta noite. Absolutamente, nunca ignoro minhas intuições. As pessoas me olham espantadas, surpresas por eu estar neste ambiente onde corpos suados e frenéticos roçam uns nos outros. Elas não costumam me ver fora do alcance da mansão, porém sabem que sou filho de Idris – já me viram com ela. Evidentemente, não vim ao local sozinho. Os guardas estão espalhados por toda parte para qualquer eventualidade – não que eu não possa me proteger com minhas próprias mãos, mas precaução nunca é excesso. Hoje em dia, não podemos confiar em qualquer um.

O balcão de mármore do bar é extenso, mas ninguém parece ligar pra ele, a não ser pra comprar bebidas, claro. Saboreio o uísque que desce amargo pela minha garganta. O barulho da festa não me distrai. O barman serve bebidas aos clientes com habilidade, distribuindo sorrisos amigáveis. Vez ou outra, mulheres e homens vêm onde estou e tentam flertar comigo. Eu os ignoro. Só quero beber em paz. A meia-luz propicia acolhida a quem chega. O salão é amplo e não me deixa sufocado – não há nem mesmo mesas ou cadeiras espalhadas pelo espaço. Observo meu reflexo no armário de bebidas do outro lado do balcão. O cabelo ondulado cai sobre meus ombros. Hoje à noite, meus olhos amarelados estão um tom mais escuro. Mesmo assim, as pupilas dilatadas ainda são destacáveis. Alguém senta ao meu lado. Suspiro. Já estou preparado pra dispensar quem quer que seja quando encontro uma Alfa pretensiosa, me olhando com um sorrisinho sarcástico com o canto da boca.

- Então quer dizer que a serpente finalmente saiu da toca.

Levanto as sobrancelhas, pois estou surpreso em vê-la. Observo-a rapidamente. Ela usa uma calça jeans larga, surrada em algumas partes, os velhos coturnos e uma camisa vermelha que deixa as tatuagens dos antebraços à mostra. Nenhuma arma à vista, mas ela não andaria por aí sem, pelo menos, um canivete. Os olhos puxados, de cílios grandes, me estudam com uma profundidade tão grande que eu preciso desviar os meus. Pigarreio.

- Também estou admirado que esteja aqui, Alfa. – digo e tomo outro gole da bebida pra limpar a garganta.

- Por quê? Você não me conhece. Como sabe se gosto ou não de festas? – ela levanta uma sobrancelha e olha o barman. – Por favor, uma dose de absinto.

Faço uma careta por causa da escolha. Absinto é uma bebida forte e pode te nocautear. Entretanto, duvido que qualquer coisinha a derrube. O barman a serve e ela vira a bebida como se fosse água. Não move um músculo do rosto.

- Outra, por favor. - o barman a serve mais uma vez sem pestanejar, mas ela vai com calma agora, voltando o olhar pra mim como se esperasse pela minha fala.

O cabelo negro sedoso escorre pelas costas e eu me sinto tentado a tocar. Contenho-me. Eu provavelmente tomaria um soco no estômago. Já tive minha dose de temperamento explosivo da parte de Alfa.

- O que tem achado do trabalho nas últimas semanas? – eu pergunto. Gerar assunto não é o meu forte.

Ela dá de ombros como se não fosse grande coisa sair por aí matando pessoas. Bem, talvez pra ela não seja.

- Normal.

- O que descobriu?

Ela solta mais um de seus sorrisos e arrasta a cadeira pra perto da minha, aproximando o rosto do meu como se fosse me contar um segredo. Ela lambe os lábios e abaixa o tom da voz que estava alto há poucos minutos.

- Você sabe, Ômega, que eu só reporto informações à Idris. – ela pega a bebida e vira de novo, sem tirar os olhos de mim.

Algo me diz que Alfa não faz nada sem um propósito. Mesmo que eu a tenha conhecido há poucas semanas, pude analisar que ela não dá um passo fora da curva. Tudo é calculado com muita destreza. Ela põe uma mão na minha coxa e a atitude me puxa de volta à realidade. Nunca estivemos tão próximos.

- Você dança? – os olhos, neste instante, estão com um ar de inocência, mas eu sei que até isso é estudado.

- Não. – eu digo.

- Que tal me conceder a honra?

- Eu disse que não.

Ela dá de ombros mais uma vez, pede outra dose de absinto, bebe e levanta da cadeira. Não parece chateada.

- Você quem manda, chefe. – a última palavra sai como uma ironia e ela parte pro meio das pessoas. Eu a perco de vista. Alguma coisa me diz que eu preciso agir.

- Que se foda. – viro o resto da bebida, levanto e vou atrás dela. Eu a encontro dançando no ritmo da música, como tantos outros. Os olhos estão fechados e acho que está um pouco bêbada, submersa em pensamentos. A pele levemente prateada brilha sob as luzes fracas da boate. Alfa é linda. Afasto com o olhar qualquer pessoa que tenta se aproximar e depois me pergunto o motivo. Ela abre os olhos uns dois minutos depois quando sente minha presença. Sorri maliciosa.

- Achei que não dançasse.

- Mudei de ideia.

Ela não fala nada, mas me puxa pra perto por um dos botões de minha camisa. Alfa nunca havia demonstrado tal comportamento na minha presença. Nunca consegui decifrar o que se passa em sua cabeça desde que nos conhecemos. Tal como uma caixa de surpresas, não sei o que posso esperar. Dançamos umas duas músicas até ela indicar a saída da boate com a cabeça. Ela me dá as costas e sai. Olho pros lados, averiguando se alguém percebeu e a sigo entre o turbilhão de pessoas. Quando consigo sair, sinto o frio da noite atingir meu rosto. Se não fossem por alguns bêbados caídos no meio-fio da calçada, a avenida de prédios extremamente altos e antigos estaria praticamente vazia. Vejo Alfa virando a rua e eu caminho atrás dela, sempre atento a qualquer imprevisto que possa surgir do nada. Quando viro a esquina, ela me espera num corredor sem saída. A perna está apoiada no muro. Ela sorri, estreitando os olhos. Eu me aproximo.

- Achei que quisesse dançar. – minha voz sai mais grave do que já é. Estou de frente pra ela. Há poucos centímetros entre nós.

Ela não responde. Alfa se desencosta da parede e, de repente, sou eu quem está no lugar em que estava antes. Ela encosta o corpo no meu e fica na ponta dos pés. Ela me beija. Abre minha boca com os lábios e procura minha língua com a sua. E, de repente, estou envolvendo-a pela cintura, trazendo-a para mais perto com tanto anseio que acho que posso quebrá-la. Estou surpreendido, mas eufórico. As batidas do meu coração pulsam nos meus ouvidos. Ela morde meu lábio inferior e o puxa. O corpo pressiona cada vez mais o meu contra o muro. Ela explora o que pode tocar. Fecho os olhos de prazer enquanto as mãos passeiam por áreas sensíveis. Se continuar assim, não vou poder tratá-la com tanto cavalheirismo como tenho feito nos últimos tempos. Abro os olhos e a viro de frente pro muro. Ela apoia as mãos na parede de tijolos. Afasto o cabelo liso das costas e beijo o pescoço delicado, passando a ponta da língua pela nuca. Ela fica arrepiada. Meus braços a puxam para mais perto. Afago seus seios e a cintura fina que me permite chegar a locais que desejo. Ela consente que uma de minhas mãos entre por sua calça. Eu a toco e ela solta um pequeno gemido. Ouvi-la assim me deixa mais excitado. Eu a quero. Não sabia que a desejava tanto até este momento. Viro-a pra mim e a beijo. Alfa está faminta e eu também. Ela impulsiona o corpo e cruza as pernas na minha cintura. O único apoio que temos é a parede. Ela me olha e, apesar disso, a única coisa que posso ver nas íris negras é lascívia. Ela passa os dedos pelo meu cabelo.

- Estou com muita vontade de você. – sussurra.

- Então vamos sair daqui. – coloca-a de pé e seguro uma de suas mãos. Estou nos conduzindo para fora do corredor sem saída, mas antes olho de um lado pro outro da rua, certificando-me de que ninguém nos seguiu. Tudo certo – é o que acho. Observo Alfa novamente antes de partirmos. Ela entrelaça os dedos nos meus e isto é um consentimento pra irmos adiante.

A noite nos aguarda.



*Taysa Nunes é jornalista, formada pela Uern. Ama ficção-científica e literatura em geral. Escreve desde criança.

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